Eduardo Prado Coelho, antes de falecer (25/08/2007), teve a lucidez de nos deixar esta reflexão, sobre nós todos. Apesar de comprida, VALE A PENA LÊR com toda a atenção:
Precisa-se de matéria prima para construir um País
Eduardo Prado Coelho - in Público*
A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates. O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a *ESPERTEZA* é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal *E SE TIRA UM SÓ JORNAL,DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.* Pertenço ao país onde as *EMPRESAS PRIVADAS* são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa,como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o quepossa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos.
Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porqueconseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.
*Pertenço a um país:*
-Onde a falta de pontualidade é um hábito;
-Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.
-Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruase, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos.
-Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.
-Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memóriapolítica, histórica nem económica.
-Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovarprojectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns. Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicaspodem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.
-Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criançanos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.
-Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.
-Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.
Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.
(...)
Não. Não. Não. Já basta. Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa. Esses defeitos, essa *'CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA'* congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós,*ELEITOS POR NÓS*. Nascidos aqui, não noutra parte...
Fico triste.
(...)
Qual é a alternativa ?*Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror ? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para oslados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... igualmente abusados ! É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimentocomo Nação, então tudo muda... Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias. Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos: Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e,francamente, somos tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir)que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e *ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI**QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO*. *AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.*E você, o que pensa ?...
*MEDITE* !